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Construtores da Guitarra Portuguesa

Escrito por Pedro Caldeira Cabral  
09/06/2007

Introdução:

A sociedade ocidental contemporânea vive um processo acelerado de uniformização cultural resultante da vontade política de globalização gradual dos mercados, da rapidez da comunicação e de estratégias de massificação do conhecimento em geral, e é neste quadro que se torna necessário e urgente a afirmação da singularidade cultural característica das pequenas regiões.
Propomos deste modo com a presente exposição, um olhar de descoberta sobre um instrumento musical que assume por vezes a dimensão de símbolo identitário, decorrente da sua associação com o universo mítico do fado e da sua presença multissecular na música em Portugal.
Descobrir a Guitarra Portuguesa é, portanto, conhecer as suas várias designações, a história do seu passado e os nomes dos artesãos que, de geração em geração, ao longo de séculos a têm fabricado.
O instrumento a que damos hoje o nome de Guitarra Portuguesa, foi conhecido até ao século XIX em toda a Europa sob os nomes de Cítara (Portugal e Espanha), Cetra e Cetera (Itália e Córsega), Cistre (França), Cittern (Ilhas Britânicas), Zither e Cithren (Alemanha e Países Baixos).
Tendo como origem directa a Cítara europeia do Renascimento, por sua vez filiada na Cítola Medieval, a Guitarra Portuguesa tal como a conhecemos hoje, sofreu importantes modificações técnicas no último século ( no aumento das dimensões da caixa de ressonância, no sistema mecânico de afinação, etc.), tendo no entanto conservado a afinação peculiar das cítaras, igual número de cordas e a técnica de dedilho própria deste género de instrumentos.
Desde o século XVIII, chegam-nos noticias diversas do uso da Guitarra, com alusão ao reportório partilhado com outros instrumentos como o Cravo ou a Viola e que incluem Sonatas, Minuetos, Marchas, Contradanças, Modinhas e Lunduns etc.
Conhecemos deste período apenas dois instrumentos de Joaquim Pedro dos Reis (1764) e de João Correa d’ Almeida (1776), ambos de Lisboa.
É nesta época (c.1760) que chega a Portugal a chamada Guitarra “Inglesa”, um tipo de Cítara europeia modificada por construtores ingleses, alemães e holandeses e acolhida com grande entusiasmo pela nova sociedade burguesa mercantil instalada na cidade do Porto, como se infere dos textos de António da Silva Leite (1759-1833), autor do único método para este instrumento publicado no nosso país em 1796 e também das Seis Sonatas para Guitarra, com acompanhamento de Violino e duas Trompas (1792).
Além deste autor, são de referir os nomes de António Pereira da Costa (XII Serenatas para Guitarra, Londres 1759) , Manuel José Vidigal (Seis Minuetos dedicados a Lisboa) e numerosas obras manuscritas de João Gabriel Legras (Liçoens para Guitarra), Frei Francisco de São Boaventura (Sonatas para duas Guitarras e dois Violinos, 1789) Bartolomeu José V.P.Geraldes (Sonata para Guitarra e transcrição de 18 Sinfonias ou Aberturas de celebradas óperas de Rossini, Marcos Portugal, etc.) e António Justiniano Botelho (Variações para Guitarra Ingleza)
Este tipo de Guitarra ( baseado na imitação livre de alguns instrumentos estrangeiros introduzidos em Portugal), do qual conhecemos exemplares construidos por Jacó Vieira da Silva, de Lisboa (c.1790) e por Domingos José d’Araujo na cidade de Braga, ( entre 1804 e 1820 ) tem uma difusão limitada às classes mais elevadas da sociedade, nunca se popularizando e acaba por desaparecer no fim do século XIX com a revitalização da Cítara popular, causada pela associação desta com o Fado de Lisboa, entretanto convertido em canção “nacional”.
Segue-se um período de requalificação social do instrumento, passando este a ser designado por Guitarra Portuguesa e envolvendo na sua produção os nomes de construtores célebres como Manuel Pereira (Lisboa), António Duarte (Porto), Augusto dos Santos (Coimbra), Manuel Pereira dos Santos (Alfena), Augusto Vieira e António Victor Vieira (Lisboa).
É na última década do século XIX que assistimos à importação de guitarras de Portugal para Inglaterra (caso da firma Alban Voigt & Co. de Londres, a qual edita também um método da autoria de Havelock Mason, em 1892) e para Alemanha (como no caso da firma BOEHM de Hamburgo, que utiliza o tipo português como modelo de base para a criação da Waldzither).
No século XX, o número de fabricantes aumentou consideravelmente com os contributos valiosos de Álvaro Merceano da Silveira (Lisboa), Francisco Januário da Silva, (Lisboa) Domingos Cerqueira da Silva (Porto), João Pedro Grácio Junior (Cacém), Kim Grácio (Lisboa), Manuel Cardoso (Odivelas), Gilberto Grácio (Cacém) e, mais recentemente, Oscar Cardoso (Odivelas) e Fernando Meireles (Coimbra), para citar alguns dos mais considerados no meio dos guitarristas profissionais.
É pois o testemunho do talento e do trabalho destes artesãos violeiros que nos propomos apresentar nesta mostra antológica sob o título “À Descoberta da Guitarra Portuguesa”, com o objectivo de fornecer mais um contributo crítico para futuros trabalhos de estudo sobre esta matéria.

© Pedro Caldeira Cabral

 

Os Construtores da Guitarra

A história do fabrico da guitarra está ainda no seu início, [vide, CABRAL 1999] com lacunas importantes no que diz respeito aos construtores anteriores ao século XIX, pela falta de documentação específica que registe a actividade dos vários nomes conhecidos de violeiros e pela escassez de instrumentos portugueses de períodos anteriores à primeira metade do século XVIII.
No seu estudo pioneiro sobre o fabrico de instrumentos musicais, intitulado “Indústria Instrumental Portuguesa” (Lisboa 1914), faz Michel’Angelo Lambertini uma listagem de nomes com referências a alguns dos instrumentos que construiam, não porque não tivessem fabricado outros nenhuns, mas porque apenas encontrara referência histórica àqueles.
Essa pequena obra (baseada em informações recolhidas pelo Dr.Sousa Viterbo em fontes primárias) é ainda hoje uma referência fundamental para quem queira estudar a Arte da Violaria em Portugal, oficio com tradição certamente multisecular e cujos registos são infelizmente pouco numerosos e imprecisos nas informações que contêm.
Por outro lado , o facto de não haver referência à Cítara no Regimento dos Ofícios Mecânicos da Cidade de Lisboa ( 1572) ou em qualquer dos outros posteriores de outras cidades do país, não prova coisa nenhuma, uma vez que estes documentos não inventariam a produção dos oficiais mecânicos mas tão só estabelecem as regras para a prática genérica do seu ofício, tomando como exemplo, no caso dos violeiros, as violas de mão e de arco, ou estabelendo uma especialização de actividade no caso dos carpinteiros de orgãos e cravos, nos fabricantes de cordas, nos adufeiros e nos atabaqueiros (construtores de tambores).
Fica de fora a restante produção da época que incluia certamente instrumentos como os saltérios, os arrabis, as bandurras, as harpas, os alaúdes e as cítaras, cujas referências podemos encontrar noutras fontes históricas, iconográficas e literárias dos séculos XV e XVI.

O mais antigo nome de “Guitarreiro” constante dos arquivos portugueses parece ser o de Martim Vasques Coelho, activo entre 1424/1462 o qual poderá ter sido igualmente (como era costume na época) construtor de violas (de mão e de arco), de cítaras, de harpas e de alaúdes.
O nome mais usual para designar o ofício era o de “Violeiro” (que corresponde ao nome francês de “Luthier”), podendo também aparecer a forma “Guitarreiro” para os séculos XV e XVI, pela simples razão de que a palavra Guitarra, designava nessa época uma das variantes da Viola de mão.
No século XVI (a partir de 1521, durante os reinados de D.João III e D.Sebastião), aparecem os nomes de Álvaro Fernandes, Diogo Dias (nomeado por alvará real em 1551) e Belchior Dias, todos eles de Lisboa.
Deste último conhecem-se três exemplares belíssimos de violas de mão de cinco e seis ordens, estando um deles no Royal College of Music de Londres ( datado de 1581) e os restantes no Shrine to the Music Museum, South Dakota e nas reserrvas do Musée de la Musique, em Paris.
Para além destes, temos os seguintes nomes abrangendo já o século XVII:

Gaspar d’Almeida
Francisco Gonçalves
Domingos Fernandes (nascido antes de 1570)
João Coelho (nascido em 1575)
Thomé Fernandes (nascido em 1576)
Luis Ribeiro (nascido em 1589)
Jerónimo Lopes (violeiro, activo em Coimbra em 1619)
Domingos da Costa (activo em 1643)
Jeronymo Gomes (nascido em 1647, activo entre 1670/77)
Luiz de Lemos (activo em 1674)
Mathias de Lemos (nascido em 1648,em 1678 oficial da Casa Real)

Embora ainda não se tenham encontrado obras destes autores, sabemos que estes artesãos tinham as suas oficinas na Rua dos Escudeiros, na freguesia de São Nicolau e, como nota Lambertini, no século seguinte, passaram alguns para o Poço do Borratem, em Lisboa.
Registamos aqui alguns violeiros do século XVIII com menção do tipo de instrumentos que sobreviveram , ou que foram assinalados em fontes documentais da época:

Manuel Correa de Almeida (1693, “violeiro da Raynha N/S”, R.Dta. da Esperança, LXa.)
Manuel Francisco (em 1710 violeiro da Casa das Senhoras Rainhas)
Domingos Álvares (nomeado em 1711 violeiro da Rainha D. Mariana )
Miguel Ancho (fl. Em 1717 em Lisboa)
Francisco Ferreira (activo 1714/1764 em Braga, violeiro)
Domingos Rodrigues Galrão (activo 1727/1731, violinos, violas de arco)
José Ferreira (activo em 1731, violeiro)
Pedro Ferreira de Oliveira (1702-1767, violinos, violas de arco)
António Cypriano (fl em Lisboa em 1753)
Joaquim José Galrão (activo em Lisboa em 1769-1825, violinos, violas de arco)
Manuel da Costa (activo em Braga em 1764, violas de mão, violas de arco)
Bernardo Zeferino Monteiro (violeiro)
Gregório José (activo em 1764 em Braga, violas, etc.)
Joaquim Pedro dos Reis (activo em Lisboa em 1764, guitarras)
João Domingues (activo em 1764 em Braga, violas,etc.)
Bento Francisco Fajardo (activo em 1764 em Braga, violeiro)
Domingos Pereira (activo em 1764 em Braga, violeiro)
João, António, José e Giraldo Francisco (activos em 1764 em Braga, violas)
José Francisco do Valle (Lisboa, activo em 1774, saltérios)
João Correa de Almeida (fl. 1776-1794, Poço do Borratem, Lisboa, violas, guitarras)
Jacó Vieyra da Silva (fl. 1780-1800 , Praça da Alegria, em Lisboa, guitarras)
Manuel José Fajardo (mestre violeiro em 1795 em Braga)
Luiz Felix da Cruz (activo em 1795 em Ferreiros, Braga, violas)
Inácio José de Carvalho (activo em 1795 em Braga)
António Caetano de Carvalho (activo em 1795 em Braga)
Domingos José Rodrigues (activo em 1795 em Braga)
Luiz Cardoso Soares Sevilhano (activo no Porto em 1796, guitarras)

 

As informações referentes a violeiros do século XVIII, são hoje bastante mais completas do que no tempo de Lambertini e nalguns casos foi possivel encontrar provas da actividade destes nomes acima expostos, pelo exame de “oficial mecânico” a que foram sujeitos e, claro está, pela observação directa das peças que produziram e que chegaram até nós.
Devemos a lista de nomes referentes à cidade de Braga, ao trabalho excelente do Doutor Aurélio de Oliveira, que investigou também com minúcia a história do violeiro Domingos José de Araújo, natural desta cidade.
No século XIX é claro o desenvolvimento de núcleos com intensa actividade em várias cidades cobrindo as principais regiões do país, dando origem a verdadeiras “escolas” de violaria, geralmente conhecidas como a “escola” do Porto, a de Coimbra e a de Lisboa. Apresentamos em seguida os nomes mais importantes com as datas de fundação ou periodos de actividade das suas oficinas:

Na região do Norte:

Domingos José d’Araujo (activo entre 1800/1830, em Braga, guitarras)
Francisco Lourenço da Cunha (activo em 1802, em Martim, Barcelos, guitarras)
J.M.Pereira Manga (activo em 1805 em Braga, guitarras, etc,)
Manuel Gonçalves (activo a partir de 1805 em Braga, guitarras)
Clemente José Ferreira (activo a partir de 1806 em Braga, guitarras)
António José Ferreira (activo a partir de 1806 em Braga, guitarras)
Eusébio António de Oliveira (activo a partir de 1811 em Braga, violeiro)
Lourenço Felix (activo a partir de 1811 em Braga, violeiro)
António Teixeira ( 1817-1820, R.Nova do Almada, Porto, guitarras)
Irmãos Antunes (activos em 1850, Porto)
Sebastião Sanhudo (activo em 1860, violas, rabecas e guitarras)
Custódio Cardoso Pereira & Cia (Porto, desde 1861)
António J.da Cruz Moura (fl. Em 1867, no Porto, guitarras)
António Duarte (Porto, desde 1870/1919, guitarras, violas, rabecas, etc.)
Joaquim da Cunha Mello (Porto, activo de 1870 a 1895)
Roberto Joaquim da Rocha (Viana do Castelo, desde 1885)
Manuel Pereira dos Santos (Alfena/Gondomar e Matosinhos activo 1870-1888, guitarras)
Júlio Thomaz da Silva (fl. em 1890-1910, Porto, guitarras, violas, etc.)
Manuel José Gomes (Braga, activo em 1893, guitarras)
A.Rodrigues do Amaral (fl 1890, Porto, guitarras, etc.)
Francisco António Teixeira de Carvalho (Braga, activo c.1895)
Luis da Cunha Mello (Porto, activo de 1895 até 1912)
Manuel da Silva Espírito Santo (Porto, activo desde 1895)

Na região do Centro:

Joaquim Wladisláo Bruno & Irmão (Paço do Conde, Coimbra, c.1820)
José Rodrigues Bruno (Coimbra, Paço do Conde, act. desde 1830, violas, guitarras, etc.)
António dos Santos (Rua Direita, Coimbra, activo desde 1845 até 1880, guitarras, violas, etc.)
Bernardo da Costa (Mangualde, activo desde c.1870 até c.1890, guitarras, etc.)
Augusto Nunes dos Santos (Coimbra, activo c. 1880, guitarras, violas, etc.)
Bento Martins Lobo (Coimbra, R.das Parreiras, activo c.1880, guitarras, violas etc.)
Joaquim dos Santos Couceiro (Coimbra, activo c.1884, guitarras e violas)
Alfredo dos Santos Couceiro (Coimbra/Rio de Janeiro em 1871, guitarras, etc.)
João dos Santos Couceiro (Coimbra/Rio de Janeiro até 1905, guitarras, bandolins, etc.)
Joaquim da Silva Bica (Coimbra/Rio de Janeiro, desde 1880, guitarras, bandolins, etc.)
Ladislau Pinto de Magalhães (Coimbra, activo c. 1880, violas, guitarras,etc)
Manuel Ferreira Neves (Coimbra, act. c. 1890, violas ,guitarras, bandolins, etc.)
Adriano Freitas dos Santos (Coimbra, activo c. 1890, guitarras, rabecas, etc.)
Manuel Loureiro Rafael de Carvalho (Coimbra, r.dta.337, act. c.1880, guitarras, violas,etc.)
António Duarte Mendes (fl.1880/1916, R.Correio Geral, Fig.da Foz, guitarras, etc.)
Ignácio Joaquim Delgado (Figueira da Foz ,activo em 1894, guitarras)

Na região do Sul:

José Pereira Coelho(fl.1805, Poço dos Negros/Cruz da Esperança, Lisboa, guitarras)
Manuel Joaquim de Castro (fl. 1820 em Lisboa, guitarras, etc.)
Felix António Dinis (fl. 1807-1858, em Lisboa, violas, guitarras, etc.)
António dos Santos Vieira (activo em Lisboa até c.1850)
Estevão Xavier dos Reis (activo em Lisboa até c.1850)
Felix do Espírito Santo (activo em Lisboa até c.1850)
Henrique Rofino Ferro (activo em Lisboa até c.1850)
Daniel Pedro Ferro (activo em Lisboa até c.1850)
Ignácio da Palma (activo em Lisboa c.1850)
J.A.Gonçalves (activo em Lisboa c. 1850)
Jeronymo José dos Santos ( c.1850, Lg. Anunciada em Lisboa, guitarras, cavaquinhos)
João José de Sousa (activo em Lisboa até c.1850)
António José de Sousa (Lisboa, Paço do Bemformoso, nº 13, activo c.1870 )
Manuel Pereira (Lisboa 1840-1889)
João Januário Rodrigues ( activo em Lisboa c. 1870)
Salvador José dos Santos (em Lisboa , Rua da Caridade nº 40, até 1899)
João da Silva (Lisboa , Rua de S.Antão 18/20 desde 1870 até c.1910)
Phillippe José Rodrigues (Lisboa, Rua .de S.José 31, activo em 1880, guitarras)
João Miguel Andrade (Lisboa, Rua da Trindade, activo em 1890, guitarras)
Joaquim d’Almeida (Lisboa, activo em 1894, guitarras)

Na Região Autónoma dos Açores:

Damião de Sousa Azevedo (Açores, século XIX)
José Vieira Maciel (Degraus de S.Jorge, Açores, século XIX, violas, guitarras, etc.)

Na Região Autónoma da Madeira:

João Nunes “Diabinho” (Funchal, século XIX)
Rufino Telles (fl.1889 na R.da Carreira, 56, Funchal, machetes, violas, guitarras,etc.)
António Quintal (Funchal, século XIX)
Octaviano João Nunes (Funchal 1812-1870/ Lisboa 1881,violas, guitarras, machetes, etc.)
João Gonçalves Jardim (Funchal- Lisboa,1889/1912, guitarras, etc.)
Francisco Augusto Camacho (Funchal-Lisboa, desde 1890, guitarras, etc.)

 

 

A esta lista e seguindo o mesmo critério juntaremos os nomes dos seguintes construtores, activos a partir da primeira metade do século XX :     

 

                                                                                                                                                                                                      Página seguinte:

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