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​Fado Bailado

(ou Fado dos Olhos Fatais)

​Olhos fatais

Letra:​              Armando Neves

Música:          Alfredo Marceneiro

Intérprete:       Alfredo Marceneiro

 

Que sorte que Deus me deu,
E que sempre hei- de lembrar,
Embora não seja ateu,
Julguei encontrar o céu,
Na expressão do teu olhar!

Neste mundo menor, de escolhos,
Unindo os nossos destinos,
E nesta vida de abrolhos,
Para mim, teus lindos olhos,
Eram dois céus pequeninos!

No espelho do teu olhar,
Vi dois céus em miniatura,
E para mais me encantar,
Iam-se neles mirar
Na minha própria ventura!

E tão mística atracção,
Tinha teu olhar profundo,
Que em sua doce expressão,
Eram um manto de perdão,
Sobre as misérias do mundo!

Mas deitaste-me ao deserto,
Deste mundo enganador,
Hoje o teu olhar incerto,
Já não é um livro aberto,
Onde eu lia o teu amor!

Enganaste os olhos meus,
Nunca mais te quero ver,
Meus olhos dizem-te adeus,
Teus olhos não são dois céus,
São dois infernos a arder!

Coração pr´ amar a fundo,
Outro coração requer,
Se há tanta mulher no mundo,
Vou dar este amor profundo,
Ao amor doutra mulher!

 

Intérprete  Alfredo Marceneiro
Título:  Olhos fatais
Autor da Letra:     Armando Neves
Autor da Música:  Alfredo Rodrigo Duarte ( Marceneiro )
Guitarra Portuguesa:  Júlio Correia
Viola:  Abel Negrão
Data da 1ª gravação  1936

Nota: A antiguidade da base desta gravação, é notória e preciosa! O tema que aqui se reproduz, é um trabalho de remasterização de um disco de massa (vinil) de 78 rpm, gravado em fins de 1936.

O Bailado

Letra:             Henrique Rêgo

​Música:          Alfredo Marceneiro

Intérprete:       Alfredo Marceneiro

 

 

À mercê dum vento brando,
Bailam rosas nos vergueis,
E as Marias vão bailando,
Enquanto vários Maneis,
Nos harmónios vão tocando!

 

Tudo baila, tudo dança,
Nosso destino é bailar,
E até mesmo a doce esperança,
Dum lindo amor se alcançar,
De bailar nunca se cansa

 

Baila o nome de Jesus,
Em milhões de lábios crentes,
Em bailado que seduz,
E as falenas inocentes,
Bailam á roda da luz!

 

 

A folhagem ressequida,
Baila envolvida em poeira,
E com a razão perdida,
Há quem leve a vida inteira,
A bailar com a própria vida!

 


Intérprete:  Alfredo Marceneiro
Título:  O Bailado
Autor da Letra:  Henrique Rego
Autor da Música  Alfredo Rodrigo Duarte ( Marceneiro )
Guitarra Portuguesa:  José Nunes
Viola:  Francisco Perez
Data da gravação  1979

Nota: A preciosidade histórica, quando foi possível apanhar Alfredo Marceneiro “distraído” numa roda de família e amigos, e gravar alguns temas em que se realçam as suas sábias palavras, ora referindo-se ao tema que vai cantar, ora a outros factos, normalmente falando de si, como é o caso deste tema.


Estranha forma de vida

​Letra:               Amália Rodrigues

​Música:           Alfredo Marceneiro

Intérprete:        Amália Rodrigues

Foi por vontade de Deus,
Que eu vivo nesta ansiedade,
Que todos os ais são meus,
Que é toda minha a saudade,
Foi por vontade de Deus!

Que estranha forma de vida,
Tem este meu coração,
Vive de vida perdida,
Quem lhe daria o condão,
Que estranha forma de vida!

Coração independente,
Coração que não comando,
Vives perdido entre a gente,
Teimosamente sangrando,
Coração independente!

Eu não te acompanho mais,
Para deixa de bater...!
Se não sabes onde vais,
Porque teimas em correr,
Eu não te acompanho mais!

( Parte instrumental )

Se não sabes onde vais,
Para, deixa de bater,
Eu não te acompanho mais!


Intérprete  Amália Rodrigues
Título  Estranha forma de vida
Autor da Letra  Amália Rodrigues
Autor da Música  Alfredo Rodrigo Duarte ( Marceneiro )
Guitarra Portuguesa  José Nunes
Viola  Castro Mota
Data da gravação  1963

Fado Bailado ( ou Fado dos Olhos fatais )

Fado da 3ª geração, em modo menor, normalmente cantado em estrofes de quintilhas com 7 sílabas, em número par, com a particularidade das estrofes ímpares serem cantadas numa melodia e as pares noutra.

Foi composto pelo saudoso cantador e compositor Alfredo Rodrigo Duarte ( Marceneiro ), na 3ª década do século passado.

Os títulos deste fado - Bailado ou dos Olhos fatais, têm que ver com as primeiras letras nele cantadas!

Alguns investigadores, e quanto a mim comprovadamente, dizem que deveria chamar-se Fado dos olhos fatais, uma vez que foi cantado pela primeira vez, pelo seu autor, nuns versos com esse título “Olhos fatais”, da autoria de Armando Neves, embora, como se pode apreciar comparando as duas versões nos Mp3´s que se publicam, num ritmo diferente, o 1º sem paragens, mais rápido, sem esperas para acordes instrumentais, diferente do 2º que ele próprio usaria mais tarde para cantar os versos de Henrique Rego, “O Bailado”, em que se verifica o contrário, com paragens entre os versos da 1ª parte das estrofes.

Assim, pode concluir-se que “Olhos fatais”, foram o embrião, do Fado Bailado que hoje se conhece, interpretado com inúmeras letras, donde se salienta aquela que mais o popularizou, “Estranha forma de vida”, original de Amália Rodrigues, que ela própria interpreta ( Mp3 também incluído neste tópico), e que veio dar ao Fado Bailado o aspecto que ele adquiriu e que hoje se mantêm! Note-se a curiosidade de muitos cantadores quando pedem este fado aos guitarristas, dizem “...toquem-me a Estranha forma de vida...”!

Note-se ainda que quase todos os temas interpretados com este Fado, contêm 4 quintilhas, facto que não acontece com “Olhos fatais”, onde são cantadas 7, embora a 7ª seja uma repetição da 6ª, em termos musicais! Outra particularidade, é o facto de Alfredo Marceneiro repetir os 3 últimos versos das estrofes pares, o que não acontece com Amália Rodrigues ( exceptua-se o casos das estrofes finais, que são sempre repetidas, embora que com letra diferente )!

É por coisas como estas, que o Fado é Fado! Único!

 

Pequena biografia do intérprete:


                                                                                                                                             Alfredo Marceneiro

Alfredo Rodrigo Duarte, que ficou conhecido por Alfredo Marceneiro, dada a sua
profissão, nasceu em Lisboa, no dia 29 de Fevereiro de 1888, embora o seu
bilhete de identidade referisse o seu nascimento a 25 de Fevereiro de 1891.
Filho de Gertrudes da Conceição e Rodrigo Duarte, Alfredo foi o primeiro filho
do casal, seguiram-se dois irmãos - Júlio e Álvaro - e uma irmã - Júlia.
Em 1905, quando tinha apenas 13 anos, o seu pai faleceu e Alfredo Duarte
abandonou os estudos para ir trabalhar e ajudar no sustento da família. O seu
primeiro emprego foi o de aprendiz de encadernador.
Tomou contacto com o Fado ao assistir às cegadas de rua. Conheceu então Júlio
Janota que, para além de participar nas cegadas, tinha o ofício de marceneiro e lhe
arranjou lugar como seu aprendiz numa oficina em Campo de Ourique.
Alfredo Duarte começou por cantar Fados nos bailes populares que frequentava, entre os 14 e os 17 anos. É nesta altura, em 1908, que faz a sua estreia na cegada do poeta Henrique Lageosa, inspirada no argumento   do filme mudo O Duque de Guise, onde interpreta o papel da amante do Duque.
Para além de participar nas cegadas, onde desenvolve o seu método de dizer bem e dividir as orações,
Alfredo Duarte começa a cantar em diversas festas de solidariedade e nos retiros do Caliça, Bacalhau, José
dos Pacatos, Cachamorra, Baralisa e Romualdo, mas é no 14 do Largo do Rato que se torna mais conhecido.
É alcunhado de "Alfredo Lulu" por se vestir de forma elegante e aprumada, mas será o apelido de
"Marceneiro", que se eternizará, cantado pelo próprio fadista no poema de Armando Neves, de que
reproduzimos um excerto:
 

"Orgulho-me de ser em toda a parte
Português e fadista verdadeiro,
Eu que me chamo Alfredo, mas Duarte
Sou para toda a gente o Marceneiro"
 

Esse nome artístico - "Alfredo Marceneiro" - surge numa festa de homenagem aos cantadores Alfredo dos
Santos Correeiro e José Bacalhau, como o próprio fadista conta: "Uma noite fui convidado por amigos que já me tinham ouvido cantar em paródias próprias da idade a ir ao Club Montanha (hoje Ritz). Dirigia a festa o
poeta Manuel Soares e perguntou: «Quem é este rapazinho? Como se chama? Que ofício tem?» Então,
quando me apresentou ao público, esquecendo o meu apelido, anunciou: «Vai cantar a seguir o principiante
Alfredo... Alfredo... Olhem não me ocorre o apelido. É Alfredo... Marceneiro...» E ainda hoje sou o Alfredo
Marceneiro." (cf.”Guitarra de Portugal”, 15 Julho de 1946).
Ao longo da sua vasta carreira, e apesar de manter a sua profissão de marceneiro, Alfredo Duarte é
contratado para exibições em casas como o Clube Olímpia, onde esteve com Armandinho, Júlio Proença e
Filipe Pinto, e depois em outras casas típicas como a Boémia, na Travessa da Palha, o Ferro de Engomar,
o Castelo dos Mouros, o Solar da Alegria, ou o Júlio das Farturas, onde cantou durante um ano.
No ano de 1924 participa num concurso de Fados do Sul-América, um espaço situado na Rua da Palma, e
onde ganhou a "Medalha de Ouro". Nesse mesmo ano canta durante dois meses no Chiado Terrasse para
animar as noites de cinema e é presença na "Festa do Fado" organizada pelo jornal "Guitarra de Portugal" no Teatro São Luiz.
A partir desta data a sua carreira prossegue com grande sucesso atuando em casas como o Retiro da Severa, o Solar da Alegria ou o Café Mondego. Chega mesmo a ter a sua própria casa, o Solar do Marceneiro, no final da década de 1940, mas sendo um espírito irrequieto não consegue cingir-se a cantar diariamente nesse espaço.
Como exemplo dos momentos mais evidentes da admiração e fama que adquiriu ao longo da sua longa
carreira salientamos: a organização de uma festa artística, em 1933 no Júlio das Farturas do Parque Mayer;
em 1936, o segundo lugar do título "Marialva", ganho num concurso do Retiro da Severa; a 10 de Maio de
1941 um outro espetáculo denominado "Festa Artística de Alfredo Marceneiro", desta feita no Solar da
Alegria; ou, ainda, a consagração como "Rei do Fado", no Café Luso, a 3 de Janeiro de 1948.
Apesar do sucesso da sua carreira nunca saiu de Portugal para atuações e raramente deixou Lisboa, embora na década de 1930 tivesse integrado alguns espetáculos de grupos criados para efetuar tournées por Portugal, caso da "Troupe Guitarra de Portugal", com Ercília Costa, Rosa Costa, Alberto Costa, João Fernandes (guitarra) e Santos Moreira (viola); ou da "Troup Artística de Fados Armandinho", com Armandinho, Georgino Gonçalves, Cecília d’ Almeida, Filipe Pinto e José Porfírio.
Alfredo Marceneiro cantou também no Teatro, subindo ao palco do Coliseu dos Recreios, em 1930, com a
Opereta "História do Fado", onde atuavam Beatriz Costa e Vasco Santana. As suas interpretações em palcos de teatros incluíram também o São Luiz, o Avenida, o Apolo, o Éden - Teatro, o Capitólio, o Politeama, o Maria Vitória, e outros.
Em 1939, com a conhecida cantadeira Berta Cardoso, grava atuações no Teatro Variedades e no Retiro do
Colete Encarnado, que serão apresentadas no filme" Feitiço do Império", de António Lopes Ribeiro. O
"Feitiço do Império" estreia nas salas de cinema em 1940, e tem apresentações até 1952. O filme foi
protagonizado por Luís de Campos e Isabela Tovar, Francisco Ribeiro (Ribeirinho), António Silva e
Madalena Sotto. Lamentavelmente, a película existente na Cinemateca Portuguesa apresenta-se bastante
deteriorada.
As gravações discográficas da sua obra não são muitas, uma vez que não apreciava cantar senão nos locais que considerava próprios e com a presença do público. Assim, apesar de ter gravado o seu primeiro disco, para a Casa Cardoso, em 1930, com os temas "Remorso" e "Natal do Criminoso", passou logo depois a ser artista privativo da Valentim de Carvalho. Seguiram-se apenas quatro LP’s e três EP’s, o último, "Fabuloso Marceneiro", gravado aos 70 anos.
O fadista também fez poucas aparições em programas de televisão. Em 1969, uma equipa técnica constituída por Henrique Mendes e Carlos do Carmo, como produtores, Luís Andrade, como realizador e José Maria Tudella, como operador de imagem, tem de se deslocar ao Bairro Alto para acompanhar Alfredo Marceneiro nas suas interpretações e poder assim realizar uma reportagem documental para a RTP. Dez anos mais tarde, em 1979, será pela intervenção do seu neto Vítor Duarte, que acederá a realizar um programa para a RTP, o qual foi exibido a 14 de Janeiro de 1980 e editado em DVD, pela Ovação, em 2007.
Apesar da sua fama e sucesso crescente mantém a profissão de marceneiro, até à década de 1930 nas oficinas de Diamantino Tojal e, posteriormente, nas Construções Navais do Arsenal do Alfeite, que depois passaram a ser administradas pela C.U.F.
Só em 1946 se dedica exclusivamente ao Fado como profissional, conservando no entanto em casa o banco de marceneiro e as ferramentas com que se entretinha a fazer pequenos trabalhos, um dos quais "A Casa da Mariquinhas", obra que merece especial relevo pelo cariz emblemático que assume para a própria História do Fado de Lisboa. Trata-se de uma construção em madeira, na escala de 1 por 10, em que, inspirado na letra de Silva Tavares, construiu/reconstruiu a casa evocada na descrição do poeta. Esta peça está atualmente na exposição permanente do Museu do Fado.

Alfredo Marceneiro considerava-se um estilista e nesta criação de estilos acabou por ser autor de
composições que são hoje consideradas Fados tradicionais. A sua primeira composição foi a "Marcha do
Alfredo Marceneiro", mas seguiram-se muitas outras como: "Fado Laranjeira", "Lembro-me de ti", "Fado
Bailado", "Fado Bailarico", "Fado Balada", "Fado Cabaré", "Fado Cravo", "Fado CUF", "Fado Louco",
"Mocita dos Caracóis", "Fado Pagem", "Fado Pierrot", "Bêbado Pintor" e "Fado Aida". Com a ajuda de
Armando Augusto Freire (Armandinho), que lhe passa para pauta as suas criações, o fadista regista as suas músicas na Sociedade de Escritores e Autores Teatrais Portugueses.
O fadista foi pai de cinco filhos. Os primeiros dois: Rodrigo Duarte e Esmeraldo Duarte, resultaram de duas
relações efémeras e os outros três: Carlos, Alfredo e Aida são fruto da sua união com Judite de Sousa
Figueiredo com quem viveu até à data da sua morte, a 26 de Junho de 1982.
"Ti’ Alfredo" para os fadistas e amigos continua a ser considerado um dos fadistas maiores, seguido como
um modelo na forma de dividir os versos cantados, não permitindo que as pausas musicais interrompam o
sentido das orações. A sua figura característica, sempre de boina e lenço de seda ao pescoço, será recordada juntamente com o seu modo particular de interpretar, com o balancear de ombros e tronco e as mãos nos bolsos.
Alfredo Marceneiro reforma-se em 1963, realizando-se a 25 de Maio desse ano, no Teatro S. Luiz, a festa de título: A MADRUGADA DO FADO - Consagração e despedida do Grande Artista Alfredo Duarte
Marceneiro. Na verdade esta não foi uma despedida, Alfredo Marceneiro continuou a cantar durante quase
mais duas décadas.
Em 23 de Junho de 1980, numa cerimónia realizada no Teatro São Luiz, é-lhe entregue a "Medalha de Ouro
de Mérito da Cidade de Lisboa", pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Eng.º Krus Abecassis.
Homenagens póstumas:
- "Comenda da Ordem do Infante D. Henrique", atribuída a 10 de Junho de 1984 pelo Presidente da
República General Ramalho Eanes;
- A Câmara Municipal de Lisboa dá o seu nome a uma rua do Bairro de Chelas;
- Em 1991 foi comemorado o centenário do nascimento do fadista e entre outros eventos foi lançado o duplo
álbum "O melhor de Alfredo Marceneiro" (EMI-Valentim de Carvalho) e foi exibido na RTP o
documentário "Alfredo Marceneiro é só Fado".
 

 

Seleção de Fontes de Informação:
 

“Guitarra de Portugal”, 10 de Novembro 1926;
“Trovas de Portugal”, 4 de Fevereiro 1934;
“Guitarra de Portugal”, 20 de Julho 1935;
“Canção do Sul”, 16 de Setembro 1935;
“Canção do Sul”, 16 de Novembro 1943;
“Guitarra de Portugal”, 15 de Julho 1946;
“Ecos de Portugal”, 1 de Janeiro 1948;
“Voz de Portugal”, 1 Outubro 1957;
“Flama”, 12 de Outubro de 1962;
“Álbum da Canção”, 1 de Agosto 1963;
“Diário de Lisboa”, 20 de Março 1968;
“Rádio e Televisão”, Novembro 1969;
“Flama”, 26 de Abril de 1974;
“Diário de Notícias”, 27 de Junho de 1981;
“Correio da Manhã”, 28 de Junho de 1982;
“Mais”, 2 de Julho de 1982;
Machado, Vítor (1937), “Ídolos do Fado”, Tipografia Machado;
Duarte, Vítor (1995), “Recordar Alfredo Marceneiro”, Venda Nova, Sistema J;
Duarte, Vítor (2001), “Alfredo Marceneiro...Os Fados que ele cantou”, Lisboa, Clássica Editora.
DVD “3 Gerações de Fado”, Ovação, 2007.
 

www.alfredomarceneiro.com
http://alfredomarceneiro.blogs.sapo.pt
Informações fornecidas pelo neto do fadista Vítor Duarte
 

Última atualização: Novembro/2007

Pequena biografia da intérprete​:

 

                                                                                                                                             Amália Rodrigues
Amália Rodrigues, de seu nome completo Amália da Piedade Rebordão Rodrigues,

nasceu em Lisboa por acaso, quando os seus pais, Lucinda da Piedade Rebordão

e Albertino de Jesus Rodrigues, se encontravam de visita aos avós maternos,

na Rua Martim Vaz, na freguesia da Pena.
No registo de nascimento consta a data de 23 de Julho de 1920, porém, dado

existirem algumas reservas quanto ao dia exato, a artista adotou o dia 1 de Julho

como data de aniversário durante toda a sua vida.
Após o seu nascimento e depois de um curto período na capital à procura de vida

melhor, os pais regressaram ao Fundão deixando a filha, então com catorze meses

ao cuidado dos avós.
Quando tem seis anos os seus avós mudam-se para o bairro de Alcântara, onde Amália viverá até aos 19 anos, primeiro com os avós e depois com os pais. Abandona os estudos após completar a instrução primária, por ser necessário trabalhar e ajudar no sustento familiar. Foi aprendiza de costureira, de bordadeira e operária de uma fábrica de chocolates e rebuçados. Mais tarde, com a sua irmã Celeste, vende fruta à percentagem pelas ruas do cais de Alcântara.
Desde muito cedo mostrou gosto por cantar e, em 1935, foi escolhida para cantar o "Fado Alcântara" como solista, nos festejos dos Santos Populares, acompanhando a Marcha Popular do seu bairro.
Em 1938 Amália faz audições para o "Concurso da Primavera", onde cada bairro apresentava as suas concorrentes, disputando-se o prémio Rainha do Fado desse ano. Amália não chega a participar, mas conhece, neste concurso, Francisco da Cruz, um guitarrista amador com quem, em 1940, se casa. Este casamento não dura muito tempo, embora o divórcio só se concretize em 1949. Voltará a casar, em 1961, no Brasil, com o Engenheiro César Henrique de Seabra Rangel, com quem vive até ao falecimento deste em 1997.
Entretanto continua a cantar em festas e verbenas com o nome de Amália Rebordão. E, nesse mesmo ano, aparece pela primeira vez uma foto da fadista e uma crítica muito elogiosa na imprensa (cf. “Guitarra de Portugal”, 10 de Agosto de 1938). Só mais tarde adota o nome artístico de Amália Rodrigues, por sugestão de Filipe Pinto, então diretor artístico do Solar da Alegria.
Por influência de Santos Moreira presta provas no Retiro da Severa, e faz a sua estreia profissional em 1939. Neste local exibe-se durante 6 meses, passando depois para o Solar da Alegria e para o Café Mondego. O seu sucesso é tal que rapidamente se torna cabeça de cartaz e, graças à intervenção de José Melo, passa a cantar no Café Luso com um cachet que atinge valores nunca antes pagos a um fadista. Nesta altura Amália já não canta diariamente, fazendo-o apenas 4 vezes por mês e recebendo por atuação.
A partir de 1941 as suas atuações serão menos regulares, mas ainda assim uma constante na cidade de Lisboa até ao início dos anos 50. A sua presença regista-se na Cervejaria Luso e Esplanada Luso, em 1941; no Casablanca, Pavilhão Português e Retiro dos Marialvas, em 1942; no Casablanca, Retiro dos Marialvas e Café Latino, em 1943; no Café Luso, em 1944, e de 1947 a 1950; no Casino Estoril, em 1949 e 1950, e no Comboio das Seis e Meia, um programa de variedades gravado no Teatro Politeama e depois transmitido pela rádio, em 1950.
Amália Rodrigues realiza longas viagens de digressão em espetáculo a partir do início da década de 1950, pelo que as suas aparições em Portugal se limitam a alguns espetáculos anuais, como a Grande Noite do Fado, o Natal dos Hospitais, o Réveillon do Casino Estoril e outras festas e festivais, muitas de beneficência.
Apenas em 19 de Abril de 1985 apresenta o seu primeiro concerto individual em Portugal, no Coliseu dos Recreios de Lisboa, o qual será repetido no Coliseu do Porto a 26 de Abril do mesmo ano.                 

A sua primeira saída do país ocorre em 1943, para atuar numa festa do Embaixador português em Madrid, Dr. Pedro Teotónio Pereira. Faz-se acompanhar do cantador Júlio Proença e dos instrumentistas Armandinho e Santos Moreira. No ano seguinte, vai ao Brasil, onde atua no Casino de Copacabana, Teatro João Caetano e na Rádio Globo. Voltará ao Brasil logo em 1945, numa estadia que se prolongará até Fevereiro de 1946, na qual grava os seus primeiros discos, oito edições de 78 rpm para a editora Continental.
As viagens de Amália sucedem-se, os destinos de atuação no estrangeiro serão uma constante durante a sua longa carreira e abarcam os cinco continentes. Amália Rodrigues tem pois um estatuto de exceção marcado por uma carreira repleta de êxitos e de tournées um pouco por todo o mundo, e não apenas para atuações em comunidades de emigrantes.
Logo em 1949, a convite de António Ferro atua em Paris e em Londres. Em 1950 vai à Madeira e desloca-se uma vez mais ao estrangeiro, para participar numa série de espetáculos patrocinados pelo Plano Marshall em Berlim, Roma, Trieste, Dublin, Berna e Paris. Canta pela primeira vez em Nova Iorque, em 1952, no La Vie en Rose, onde ficará 14 semanas em cartaz. No ano seguinte, atua na Cidade do México e volta a Nova Iorque onde participa no programa de Eddie Fisher, sendo esta a primeira apresentação de um artista português na televisão norte-americana.
Em 1956, a convite de Bruno Coquatrix, empresário do Olympia de Paris, estreia-se naquela casa de espetáculos e alcança grande êxito. Em seguida canta na Côte d'Azur, Bélgica, Argélia, Rio de Janeiro e na Cidade do México.
Em 1957 volta ao Olympia acompanhada pelo guitarrista Domingos Camarinha e pelo violista Santos Moreira, sala onde atuará novamente em 1959 e 1960. No ano de 1957
canta ainda na Côte d' Azur, em Estocolmo, Lausane e Caracas.                                
Amália Rodrigues regressa com vários espetáculos ao Brasil, em 1960 e 1961. Em 1963 canta "Foi Deus" na Igreja de São Francisco no aniversário da independência do Líbano. Na década de 1960 atua em Tunes, Argel, Sidi Abbes, Bruxelas e Atenas. Participa no Festival Internacional de Edimburgo, canta em várias cidades de Israel, no I Festival Internacional de Música Ligeira de Brasov em Leningrado, Moscovo, Tiflis, Erivan e Baku, entre outras cidades e países.

Em 1970 esteve pela primeira vez no Japão, onde voltou em 1976, 1986 e 1990. E em 1972 atua na Austrália. Durante esta década e na seguinte prossegue as suas digressões artísticas por vários países.
Em 1989 grava um espetáculo para a televisão espanhola, inserido num programa apresentado por Sara Montiel. Ainda nesse ano, comemora os cinquenta anos de atividade artística profissional, realizando uma grande tournée com espetáculos em Espanha, França, Suíça, Portugal, Israel, India, Macau, Coreia, Japão, Bélgica, Estados Unidos e Itália, de que destacamos o regresso, pela oitava vez, ao Olympia de Paris. As interpretações de Amália Rodrigues podem também ser vistas no teatro e no cinema, bem como escutadas em inúmeras gravações discográficas.
A estreia da fadista no teatro faz-se em 1940, no Teatro Maria Vitória, com a peça "Ora vai tu!". Até 1947 Amália Rodrigues participa em várias revistas e operetas: "Espera de Toiros" (Teatro Variedades, 1941), "Essa é que é essa" (Teatro Maria Vitória, 1942), "Boa Nova" (Teatro Variedades, 1942), "Alerta está!" (Teatro Apolo, 1943), "A Rosa cantadeira", "Ó viva da costa!" e "A Senhora da Atalaia" (Teatro Apolo, 1944); "Boa Nova" e "A Rosa cantadeira" (reposição no Teatro República, Brasil, 1945), "Estás na Lua", e reposição de "Mouraria" (Teatro Apolo, 1946); e "Se aquilo que a Gente Sente" (Teatro Variedades, 1946).
O seu regresso ao teatro ocorrerá apenas em 1955 para participar na reposição da peça "Severa", levada à cena por Vasco Morgado no Teatro Monumental.
A relação de Amália com o cinema inicia-se com a interpretação do papel de Maria Lisboa, ao lado de Alberto Ribeiro, no filme "Capas Negras", de Armando Miranda. A película estreia no cinema Condes a 16 de Maio de 1947. No mesmo ano protagonizou, com Virgílio Teixeira, "Fado, História de uma Cantadeira", realizado por Perdigão Queiroga; e participa, ainda, com Jaime Santos e Santos Moreira nas curta-metragens realizadas por Augusto Fraga: "Fado da Rua do Sol", "Fado Malhoa", "Fado Amália", "Fado lamentos", "O meu amor na vida (Confesso)", "Só à Noitinha", "Ronda dos Bairros", "Eu disse adeus à casinha" e "Ai! Lisboa".
Voltará ao cinema em 1949, com Manuel dos Santos no filme "Sol e Toiros" de José Buchs, e com Paulo Maurício no filme "Vendaval Maravilhoso", de Leitão de Barros. Em 1955 participa com Daniel Gelin no filme "Les Amants du Tage (Os Amantes do Tejo)" de Henri Verneuil, onde canta a canção "Barco Negro", com letra de David Mourão Ferreira. Ainda em 1955, com António dos Santos, participa no filme "April in Portugal" de Evan Lloyd.
As suas últimas interpretações para o grande ecrã são: em 1958, no filme "Sangue Toureiro", de Augusto Fraga, onde canta o Fado "Que Deus me Perdoe"; em 1964, como figura central do filme "Fado Corrido", de Jorge Brum do Canto e baseado num conto de David Mourão Ferreira; e em 1965, nos filmes "As Ilhas Encantadas" de Carlos Vilardebó, rodado em Porto Santo, e "Via Macao", de Jean Leduc.                                                    
Amália Rodrigues destaca-se, também, pela forma como introduziu inovações na postura e indumentária dos fadistas que vieram a transformar-se em verdadeiras convenções performativas, como é o caso do uso sistemático do vestido e xaile negros, e do posicionamento à frente dos guitarristas.
O interesse pela poesia erudita é mais uma novidade imposta pela fadista. Assim, logo no início da década de 1950, Amália Rodrigues grava "Fria Claridade" de Pedro Homem de Mello e, em 1953, "Primavera" de David Mourão-Ferreira. A colaboração com estes dois poetas será uma constante e outros fazem parte, posteriormente, das suas interpretações, caso de Luiz Macedo e Sidónio Muralha (1954), Alexandre O’Neill (1964), José Régio (1965), Vasco de Lima Couto (1967), ou Manuel Alegre e José Carlos Ary dos Santos (1970).                                                       
Em 1962 a fadista lança o seu primeiro LP com composições de Alain Oulman, muitas vezes referidas como as "óperas" de Amália. Neste disco, "Busto" ou "Asas Fechadas", inicia-se uma ligação que durará até 1975, e que incluí gravações discográficas onde para além dos poetas já referidos, a fadista integra poesias do passado, como os trovadores galaico-portugueses, o Cancioneiro de Garcia de Resende ou Camões, que resultarão em discos de referência na história do Fado: "Fado Português", "Fado’67", "Vou dar de beber à dor" e "Com que voz". Em 1965, Amália Rodrigues edita o disco Amália canta Luís de Camões e o jornal Diário Popular, de 23 de Outubro de 1965, interroga várias figuras públicas sobre a legitimidade dessas interpretações, apresentando este tema polémico na capa do jornal.
Amália foi autora de muitos poemas que interpretou e editou em disco, alguns deles estão entre as faixas que mais a celebrizaram. Estes poemas foram editados no livro "Versos" da editora Cotovia, em 1997. A título de exemplo destacamos os seguintes: "Estranha forma de vida", "Lágrima", "Asa de vento", "Grito", "Gostava de ser quem era", "Trago o Fado nos sentidos", "Entrei na vida a cantar", "Ai esta pena de mim", "Lavava no rio lavava", "Teus olhos são duas fontes", "Fui ao mar buscar sardinhas".
Em 1987 é lançada a sua biografia oficial, escrita por Vítor Pavão dos Santos, com base em entrevistas realizadas entre 15 de Novembro de 1985 e 16 de Setembro de 1986. Escrita na primeira pessoa é um documento fundamental para compreender a carreira da mais importante fadista portuguesa.
As comemorações dos seus 50 anos de carreira, em 1989, são marcadas por diversas iniciativas que se prolongam pelo ano seguinte: um espetáculo no Coliseu dos Recreios, a 8 de Janeiro de 1990; a exposição "Amália Rodrigues. 50 Anos", no Museu Nacional do Teatro, de Junho de 1989 a Março de 1990; a retrospetiva "Amália no Cinema", na Cinemateca Portuguesa, em Novembro de 1989; uma grande tournée com espetáculos em Espanha, França, Suíça, Israel, Índia, Macau, Coreia, Japão, Bélgica, Estados Unidos e Itália.
Após o seu afastamento dos palcos, em 1994, Amália continuou a ser convidada de honra em inúmeros eventos culturais, nomeadamente durante a exibição das Marchas Populares no dia de Santo António, em Lisboa. E, em 1998 foi alvo de uma homenagem pública durante um espetáculo na Expo'98, no Parque das Nações.                                    
Faleceu no dia 6 de Outubro de 1999. O seu funeral constituiu uma grande e sentida manifestação de dor e saudade como nunca antes se vira. O país inteiro chorou a sua Diva do Fado. Os seus restos mortais foram transladados do Cemitério dos Prazeres para o Panteão Nacional a 8 de Julho de 2001.
Amália Rodrigues é uma figura incontornável da História do Fado sendo por isso uma referência muito presente na exposição permanente do Museu do Fado. Ainda assim, em Junho de 2004 o Museu do Fado apresentou "Amália, Gostava de Ser Quem Era", uma mostra evocativa da fadista que esteve patente ao público durante um ano. Por vontade testamentária da fadista foi instituída a Fundação Amália Rodrigues, oficialmente criada a 10 de Dezembro de 1999, dois meses após a sua morte. Desde 2005 que esta fundação realiza uma gala anual, com atribuição dos seguintes prémios: Carreira Feminina e Masculina, Revelação Feminina e Masculina, Internacional, Música Étnica, Viola, Viola Baixo, Guitarra Portuguesa, Intérprete Feminina e Masculino, Registo Discográfico, Poeta de Fado, Compositor de Fado, Música Sinfónica, Fado Amador, e Ensaio e Divulgação.
Alguns Prémios e condecorações:
1948 - Prémio do SNI para a Melhor Atriz do Ano, pelo desempenho como atriz no filme "Fado, História de uma Cantadeira";
1958 - Grau de Cavaleiro da Ordem de Santiago de Espada;
1959 - Grande Medalha de Prata da Cidade de Paris;
1965 - Prémio do SNI para a Melhor Atriz do Ano, pelo desempenho como atriz nos filmes "Fado Corrido" e "As Ilhas Encantadas";
1966 - Prémio Pozal Domingues para o EP "Fandangueiro";
1967 - Prémio M.I.D.E.M. 1965-1966 para o record de vendas no mercado discográfico português;
1968 - Prémio M.I.D.E.M. 1966-1967 para o record de vendas no mercado discográfico português;
1966 - Prémio Pozal Domingues para o EP "Vou dar de beber à dor";
1969 - Prémio M.I.D.E.M. 1967-1968 para o record de vendas no mercado discográfico português;
1970 - Grau de Oficial da Ordem Militar da Ordem Militar de Santiago de Espada;
1980 - Grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique;
1980 - Medalha de Ouro da Cidade de Lisboa (7 Julho), Teatro São Luís;
1985 - Grau de Comendador da Ordem das Artes e Letras;
1986 - Medalha de Ouro da Cidade do Porto;
1990 - Grã Cruz da Ordem de Santiago de Espada;

 

Seleção de Fontes de Informação:


“Guitarra de Portugal”, 10 de Agosto de 1938;
“Canção do Sul”, 1 de Março de 1940;
“Guitarra de Portugal”, 15 de Junho de 1945;
“Ecos de Portugal”, 1 de Março de 1948;
“Flama”, 4 de Julho de 1952;
“Álbum da Canção”, 1 de Junho de 1963;
“Flama”, 18 de Junho de 1965;
“O Século Ilustrado”, 29 de Junho de 1968;
“Rádio & Televisão”, 5 de Dezembro de 1970;
“Rádio & Televisão”, 9 de Fevereiro de 1974;
“Mais”, 12 de Agosto de 1983;
“Telestar”, 27 de Dezembro de 1986;
“Visão”, 29 de Junho a 5 de Julho de 1995;
“Expresso”, 1 de Julho de 1995;
“Caras”, 8 de Outubro de 1999;
Santos, Vítor Pavão dos (1987), "Amália: uma biografia", Lisboa, Contexto;
Sucena, Eduardo (1992), "Lisboa, o Fado e os Fadistas", Lisboa, Veja;
Rodrigues, Amália (1997), "Versos", Lisboa, Cotovia;
Baptista-Bastos (1999), "Fado Falado", Col. "Um Século de Fado", Lisboa, Ediclube;
Coelho, Nuno Almeida, 2005, "Amália", Col. "Grandes Protagonistas da História de Portugal", Lisboa, Planeta DeAgostini.
“The Art of Amália” (DVD), EMI Valentim de Carvalho, 2004.

 


Última atualização: Dezembro/2007

 

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