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Fado Três Bairros

Boneca de Porcelana
Letra:             António Rocha
Música:          Casimiro Ramos
Repertório:      António Rocha

 

 

 

Boneca de porcelana
Chamei-te um dia a brincar
Talvez por louco me tomem
Qualquer pessoa se engana
Errei por tal te chamar
Errar é próprio do homem

Como joia de valia
Peça da mais rara arte
Ou coisa de estimação
Coloquei-te nesse dia
Num lugar que tenho à parte
Dentro do meu coração

Afinal és o contrário
E eu pobre cego não via
Que és objeto comum
Peça de barro ordinário
Não passas de fantasia
Coisa sem valor algum

Mesmo assim vivo pensando
Que apenas quero viver
Para este amor que te dou
Sei que continuo errando
Errar continua a ser
Próprio do homem que eu sou

(instrumental)

Sei que continuo errando
Errar continua a ser
Próprio do homem que eu sou

Pequena biografia do intérprete:

​                                                                                                                                               António Rocha

António Domingos Abreu Rocha nasceu em Belém, Lisboa, a 20 de Junho de 1938.
Frequentou apenas a escola até completar a instrução primária, pela necessidade

de seempregar e assim ajudar nos rendimentos familiares.
Com apenas 13 anos, em 1951, ganhou um concurso de Fado organizado pelo jornal
Ecos de Portugal, mas como estava na idade da mudança de voz, só volta a cantar
passados alguns anos num restaurante da Cova da Piedade, o Riba-Mar. Nesse
restaurante é ouvido pelo Conde de Sobral que, entusiasmado com as suas
interpretações, o apresenta a Deolinda Rodrigues. A fadista apadrinha a carreira de
António Rocha, desafia-o a cantar em Lisboa, no Retiro Andaluz, e a receção que
obtém não podia ser melhor. Faz a sua estreia profissional em 1956, como contratado deste espaço.
Apesar de nessa altura estar ainda empregado numa loja de ferragens, com os êxitos que se vão somando,
cedo acaba por optar pela carreira artística.
No mesmo ano em que se estreia profissionalmente faz programas de televisão, entra para a Emissora
Nacional e é convidado a gravar o seu primeiro EP, com 4 faixas, para a editora Fonomate.
Em 1959, num concurso levado a cabo pelo Café Luso, é eleito “Rei” do Fado menor, uma das formas
clássicas do Fado tradicional, que continua a interpretar como ninguém.
António Rocha assume já nesta altura um papel de relevo no panorama da música nacional, com uma
popularidade plenamente demonstrada com a atribuição do título de “Rei do Fado”, em 1967, numa votação
realizada pelo público para a revista “Plateia”.
Por esta ocasião o poeta Carlos Conde publica um poema sobre António Rocha, elucidativo da sua
popularidade por um lado e, por outro, das suas qualidades de intérprete:

“Porque encanta quando canta,
O António Rocha parece
Que tem sempre na garganta
A ternura de uma prece!

Põe na voz tal melodia
E um sabor tão requintado
Que perfuma de magia
As próprias rimas do Fado!

Conseguiu ter um reinado,
Um trono alto, uma grei;
- o Rocha tem o seu Fado,
O Fado tem o seu Rei!”

Sucedem-se os contratos para se apresentar nas mais conceituadas casas de Fado de Lisboa, os espetáculos
por todo o país, atuando em restaurantes típicos e casinos, bem como as deslocações ao estrangeiro,
nomeadamente aos Estados Unidos.
As apresentações em espetáculos para rádio e televisão são também uma constante e António Rocha tem
durante algum tempo o seu próprio programa radiofónico, onde apresenta uma rubrica esclarecedora das
questões dos ouvintes sobre Fado.
Nas últimas décadas o fadista continua a brilhar nos elencos das Casas de Fado de Lisboa, estando já há
vários anos no Faia. Mas as suas apresentações não se limitam ao território nacional, sendo diversas vezes
convidado a integrar festivais de música do mundo ou a realizar espetáculos em países como os Estados
Unidos, Itália, Espanha, França, Holanda e Bélgica.
Fadista consciente da importância de ter um repertório próprio, cedo constituiu o seu repertório individual,
sendo autor da maior parte dos poemas que canta e ainda de algumas das músicas.
António Rocha atuou em quase todas as Casas de Fado de Lisboa, das quais destacamos, pelo número de
anos de permanência no elenco, o Solar da Hermínia, o Timpanas e o Faia, onde faz parte do atual elenco.
Em 1996, com Beatriz da Conceição, foi convidado a integrar o projeto de Paul van Nevel e o Huelgas
Ensemble, “Tears of Lisbon”, que consistia numa recolha, realizada pelo maestro, de fados e música
portuguesa do século XVI. Para além dos inúmeros espetáculos realizados foi, também, gravado um CD ao
vivo, no Refectory of the Bijloke Abbey, em Ghent na Bélgica. Neste disco António Rocha interpreta temas
com poemas da sua autoria, como “Luz de teu caminho”, com música de Paulo Valentim, ou “Pede à noite”,
com música de Manuel Mendes.
Os espetáculos de António Rocha estenderam-se a inúmeros Restaurantes Típicos e Casinos do país, bem
como a vários locais no estrangeiro.
Destacamos, nos anos mais recentes, a sua presença nos seguintes espetáculos:
- Semana Portuguesa em Roma, em 1988;
- Noites Longas, realizadas no âmbito da Lisboa 94 – Capital Europeia da Cultura;
- Holanda, a convite do maestro Paul Van Nevel, em 1994;
- Bélgica, a convite do maestro Paul Van Nevel, em 1995;
- França, a convite do maestro Paul Van Nevel, em 1996;
- Festival de Música do Mundo, realizado em Barcelona no ano de 1997;
- Sete espetáculos realizados na EXPO’ 98;
- Festival de Música de Bruxelas, em 1998;
- Digressão por várias cidades da França e da Bélgica, em 1999;
- Encontros em la Musica, no Tenerife, em 2000;
- Festival des Bucoliques du Pays de Racan, em França, no ano de 2000;
- I e II Festival da Música e dos Portos, em Lisboa, nos anos de 2000 e 2001
- XXIII Festival Sabandeño, em 2001;
- Espetáculos no âmbito do Porto Capital da Cultura, 2001;
- Os Poetas Populares, CCB, Festas de Lisboa 2004.
O mais recente trabalho discográfico de António Rocha, “Silêncio, Ternura e Fado”, foi editado pela Ovação
em 2004. Das 12 faixas apresentadas, podem escutar-se 11 poemas do fadista.
É sócio fundador da APAF (Associação Portuguesa dos Amigos do Fado).
Entre 2001 e 2004 foi professor do Gabinete de Ensaios para Intérpretes de Fado, na Escola de Guitarra
Portuguesa do Museu do Fado.

Seleção de Fontes de Informação:

Dados biográficos fornecidos pelo fadista;
Programa do espetáculo “Um Porto de Fado” (2001), Lisboa, HM Música;
Programa do espetáculo “Les Larmes de Lisbonne” (1996), Abbaye-aus-Dames, 8 de Julho.
Museu do Fado - Entrevista realizada em 8 de Julho/2006.

Última atualização: Junho/2006

​Pequena biografia do autor:

                                                                                                                                          Casimiro Ramos
Casimiro Ramos nasceu no bairro da Ajuda, em Lisboa, a 16 de Fevereiro de 1901.

Começou desde novo a ouvir guitarradas, nomeadamente os ensaios da Troupe

Mayerber de que faziam parte o seu pai e Domingos Serpa, entre outros. Foram

também os nomes de Diamantino Mourão, Agostinho, Júlio Sales, Carlos Cortador

que despertaram a curiosidade de Casimiro Ramos, mas também a aprendizagem

e o gosto profundo pela guitarra portuguesa. (cf. “Guitarra de Portugal, 31 de Março de 1934, p. 1).

Casimiro Ramos atuou em diversas casas de fado, com especial destaque para o Café-Restaurante Luso, na década de trinta, ao lado do irmão Miguel Ramos, e mais tarde na Tipóia, onde se manteve por mais de 20 anos. Estreia-se no cinema em 1933 participando no filme “A Canção de Lisboa”, com Beatriz Costa e Vasco Santana.

Em 1934 o guitarrista merece o destaque na primeira página da imprensa. Na edição da “Guitarra de Portugal” escreve-se sobre o seu regresso ao Brasil: “Sim, Casimiro Ramos vai ao Brasil, como acompanhador da atriz-cantadeira Maria Albertina (…) Não é impunemente que se é artista. Já há muito tempo que este guitarrista voltou daquela grande nação e ainda hoje nos não constou uma falta de brio profissional.” (cf. “Guitarra de Portugal, 31 de Março de 1934, p.1).

Com efeito, na sua primeira deslocação ao Brasil integrou o elenco da Companhia de José Loureiro, de que faziam parte Estevão Amarante, Adelina Abranches, Maria Alice, Maria Sampaio e Lina Demoel, o cantador Manuel Cascais e o violista Armando Silva. Não tardou que em Abril de 1934 os colegas e amigos proporcionassem ao distinto guitarrista uma festa de homenagem. No ambiente da Cervejaria Jansen estiveram presentes, entre muitos outros nomes, Maria Albertina, Maria do Carmo, Maria do Carmo Torres, Maria Emília Ferreira, Maria Amélia Martins, Rosa Maria, Joaquim Pimentel, Filipe Pinto, Artur Pinha, Alfredo Duarte, Júlio Duarte, Mário dos Santos. (cf. “Guitarra de Portugal”, 21 Abril de 1934, p. 6)

A 4 de Abril de 1936 a “Guitarra de Portugal” noticia a “Festa da Guitarra de Portugal”, que decorreu no “Portugal Cinema”, contando com a presença de Casimiro Ramos e de um vastíssimo leque de artistas. Ainda nessa edição, e sensivelmente um mês mais tarde, a 30 de Abril de 1936, estava prevista a realização da primeira festa artística de Casimiro Ramos, também no "Portugal Cinema"; e que contaria “com um maravilhoso espetáculo de Fado" integrado por Berta Cardoso e Maria do Carmo Torres, entre outros nomes. (cf. “Guitarra de Portugal”, 4 Abril de 1936, p. 6).

Casimiro Ramos foi o responsável pela organização de algumas festas de apoio a membros da "família fadista", tal como aconteceu com a festa do "Cantador Solitário", o fadista Manuel José Ribeiro, realizada na sede do Sporting Club Rio Seco, no dia 5 de Julho de 1936, pelas 15 horas. Em Julho de 1938, na reabertura de um dos mais emblemáticos locais de fado, Solar da Alegria, e sob a direção artística de Filipe Pinto, Casimiro Ramos vem a integrar o leque de guitarristas e violistas, composto por Armando Machado, Fernando Freitas e Martinho d´Assunção. (cf. “Guitarra de Portugal”, 25 de Julho de 1938, pp.8 e 9).

Casimiro Ramos foi, na sua época e a par do seu talento musical, figura de destaque no que concerne à defesa dos direitos dos artistas. Requisitado pela imprensa do género, o guitarrista expressou as suas preocupações: “Registe-se, pois, na “Guitarra de Portugal”, que não há decadência do Fado. Há, sim coisas, que não estão certas, mas que, com cuidado e um pouco de trabalho, podem ser remediadas.

E, procedendo-se a uma revisão do atual sistema, muito se fará de útil para o nosso meio fadista. (cf. “Guitarra de Portugal”, 15 de Outubro de 1946, p. 1).

Irmão do violista Miguel Ramos, por quem nutria grande admiração, com ele atuou durante largos ano tendo acompanhado inúmeros cantadores e cantadeiras de fado. Casimiro Ramos gravou inúmeros discos, sobretudo enquanto acompanhante e colaborou em programas de rádio, sobretudo na década de 50. Dotado de rara sensibilidade e autor de célebres composições musicais, nomeadamente “Noturno”, são de sua autoria outros inúmeros registos:  “Fado da Fé”, “Fado Maria Emília”, “Fado Pinóia”, “Fado Três Bairros”, "Fado Amélia Martins"; "Apolo"; "Rainha Santa"; "Terezinha"; "Alice", "Fado do Rio", "Lolita", entre outros. Musicalmente, as suas composições figuram em gravações de gerações de fadistas; Ada de Castro, Adelina Ramos, Alfredo Marceneiro, Carlos do Carmo, Fernanda Maria, João Braga, Maria da Fé, Manuel de Almeida, Vasco Rafael, são alguns dos nomes a que damos destaque. Gravado em 1952, resultou em 1992 pela etiqueta “Estoril” o CD intitulado “Guitarradas Imortais”. Consagrado como guitarrista de génio, Casimiro Ramos falece em Lisboa, a 29 de Abril de 1973.

 

 


Seleção de fontes de informação:

“Guitarra de Portugal”, 29 de Novembro de 1933; “Guitarra de Portugal”, 31 de Março de 1934; “Guitarra de Portugal”, 21 de Abril de 1934; “Guitarra de Portugal”, 04 de Abril de 1936; “Guitarra de Portugal”, 25 de Julho de 1938; “Guitarra de Portugal”, 15 de Novembro de 1945; “Guitarra de Portugal”, 15 de Outubro de 1946 Parreira, António e Machado, Jorge (1999) “Notas de Música”, Col. “Um Século de Fado”, Lisboa, Ediclube.

 


Última atualização: Julho/2009

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