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Fado Raúl Pinto

Sótão da Amendoeira
Letra:            Carlos Conde

Música:         Raúl Pinto
Intérprete:      Fernando Maurício

 

 

 

Naquele típico sótão
Sob as telhas mais antigas
Da Rua da Amendoeira

Inda há traços que denotam
O sabor dado às cantigas
Pla Matilde cantadeira (bis)

Airosa mas inconstante
A Matilde dava ao Fado
A graça de outros estilos

No velho café cantante
Que ficava mesmo ao lado
Da Estalagem dos Camilos (bis)

No sótão esconso e sujo
Três sombras de porte ufano
Espreitam a Mouraria

As lágrimas de um marujo
Os ciúmes de um cigano
E os remorsos de um rufia (bis)

Senti presos os meus pés
Mas desviei o caminho
E quedei-me ali à beira

Só para ver outra vez
Aquele sótão velhinho
Da rua da Amendoeira (bis)

Pequena biografia do poeta:


“Não chamem nomes ao fado,
Que o fado da nossa fé
Não pode ser acusado
De uma coisa que não é”
                                                                                                                                      Carlos Conde

Do poema “O fado não é isso” ou “Não chamem nomes ao fado”, esta quadra

é um pequeno excerto da abundante obra poética de Carlos Conde.
Carlos Augusto Conde, filho de Maria Antónia da Silva Conde e de Manuel

José Conde, nasceu no dia 22 de Novembro de 1901 na povoação do Monte,

Murtuosa, distrito de Aveiro. Casou-se com Laura dos Santos em 18 de

Setembro de 1936 e desse casamento nasceram três filhas, Noémia, Maria

de Lourdes e Flora. Mais tarde mudam-se para Lisboa, fixando-se na Praça

das Amoreiras e nestes primeiros anos de transição para a cidade, Carlos

Conde emprega-se como chefe de escritório na firma F.H. de Oliveira.

Se antes deste seu percurso profissional, Carlos Conde já escrevia os primeiros versos, a história do fado veio a consagrá-lo como destacado poeta popular, autor de inúmeros repertórios de fados e textos de cegadas, musicados ao longo das décadas de 20 e 30 do século passado. Quando questionado pela revista “ABC” sobre as temáticas dos seus versos dirá: “O amor, as mulheres, o campo. Adoro as flores, as águas claras, o sol, a luz, a natureza. Tudo o que tenha vida, que tenha alma.” (cf. “Revista ABC”, 23 de Janeiro de 1931). Dono de um talento imenso, a sua pena fixou o imaginário de Lisboa, descrevendo costumes, personalidades, recantos, becos, vielas, festividades e outros temas do quotidiano da capital.
Em 1924 o jornal “A Alma de Portugal” dava destaque a Carlos Conde, caracterizando o jovem poeta: “Carlos Conde pertence a essa plêiade de novos que nos últimos tempos se tem evidenciado, na sua bagagem literária encontram-se produções de merecimento (…) Carlos Conde não sendo contudo um consagrado é no entanto um novel com inspiração, a sua obra encontra-se espalhada nas mãos dos mais competentíssimos cantadores e dispersa nas colunas dos inúmeros jornais onde tem colaborado com proficiente estudo.” (cf. “A Alma de Portugal”, 1ª Quinzena de Setembro de 1924). A notoriedade de Carlos Conde foi muitas vezes referenciada pelos periódicos de fado, que surgiram ao longo das décadas de 20, 30 e 40 do passado século, fulcrais na legitimação e divulgação desta expressão musical.
Dada a impossibilidade de nomearmos todos os textos de cegadas que Carlos Conde escreveu destacamos os títulos: “O Crime Daquela Noite” (1946) com música de Alfredo Silva, “Homem ao Mar” (1950) música de Casimiro Ramos, “Quatro Contos a Mais” (1959), música de Albertino Vilar, entre muitos outros textos. Estas e outras cegadas tinham lugar nas coletividades, clubes e festas que povoavam a cidade de Lisboa e arredores.
A paixão pela escrita leva Carlos Conde a participar e a concorrer em numerosos concursos poéticos alcançando, na maioria das vezes, os primeiros prémios e menções honrosas. Destaque para a vitória alcançada, em 1966, com a letra para o “Hino da Força Aérea”, reforçando os méritos entretanto já atribuídos ao poeta ao longo de outras décadas.
Profundamente acarinhado pelo universo do fado, os seus poemas foram cantados na voz dos grandes vultos do fado: Ada de Castro, Adelina Ramos, Amália Rodrigues, Argentina Santos, Ercília Costa, Fernanda Maria, Lucília do Carmo, Maria Amélia Proença, Maria da Fé, Alfredo Duarte Júnior, Alfredo Marceneiro, Carlos do Carmo, Fernando Maurício, Gabino Ferreira, João Ferreira Rosa, Raul Pereira, Rodrigo, Vítor Duarte, entre muitos outros.
Carlos Conde foi autor de centenas de letras de Fado, e revelam-no como um dos expoentes máximo na área. Esses fados, traduziram-se em verdadeiros sucessos nas vozes de muitos fadistas: “A mulher que já foi tua”, “Baile dos Quintalinhos”, “Bairros de Lisboa”, “Um resto de Mouraria”, “O Fado da Bica”, “Não sou ciumenta”, “Rapsódia de fado antigo”, “Trem desmantelado”, “Não passes com ela à minha rua”, “Fins do século passado”, entre muitos outros…
Paralelamente à sua projeção como poeta, Carlos Conde foi alvo de um grande número de homenagens, com especial destaque para o almoço comemorativo do seu 50º aniversário, e que teve lugar no dia 22 Novembro de 1951, na Adega Mesquita, com a presença de Francisco Radamanto, Felipe Pinto, Dr. Amaro de Almeida, Amália Rodrigues, Teresa Nunes, Alfredo Marceneiro, entre outros. Outras festas de homenagens ocorreram contando com a presença de muitos nomes do universo artístico da rádio, do teatro e do fado e que souberam enaltecer a grandiosidade da sua obra poética e humana.
Vítima de um trágico acidente de viação, Carlos Conde virá a falecer em Julho de 1981.
Em 2001 a Câmara Municipal de Lisboa, presta ao poeta uma última homenagem, ao atribuir o seu nome a uma das artérias da cidade situada na zona de Campolide.
Paulo Conde, neto de Carlos Conde, lançou em Setembro de 2001 o livro “Fado, Vida e Obra do Poeta Carlos Conde”. Tratando-se de um inesgotável tributo ao seu avô, Paulo Conde revê toda a vida e consequente obra literária daquele que é hoje considerado como uma referência na poesia de fado.

 

 

 


Seleção de fontes de informação:

“Alma de Portugal”, 1ª Quinzena de Setembro de 1924
“A Canção do Povo”, 26 de Setembro de 1926
“Guitarra de Portugal2, 17 de Abril de 1926
“Guitarra de Portugal”, 10 de Agosto de 1928
“ABC”, 23 de Janeiro de 1931
“Guitarra de Portugal”, 15 de Março de 1948
Cartaz promocional da “Festa de Homenagem ao poeta popular Carlos Conde”, 29 de Março de 1958
“República”, 21 de Junho de 1966
Conde, Paulo (2001) “Fado, Vida e Obra do Poeta Carlos Conde”, Lisboa, Garrido Editores.
“Correio da Murtosa”, 28 de Novembro de 2007
Adaptação de biografia gentilmente cedida por Paulo Conde.

Última atualização: Maio/2009

Pequena biografia do intérprete:

                                                                                                                                                 Fernando Maurício
Fernando da Silva Maurício nasceu em Lisboa na Rua do Capelão, em pleno coração
da Mouraria em 21 de Novembro de 1933.
Oriundo de uma família centenária naquele bairro, com apenas oito anos de idade
cantava já numa taberna da sua rua, o Chico da Severa, onde se reuniam os fadistas
que regressavam das festas de beneficência, então frequentes, onde participavam
graciosamente.
Desses tempos idos da infância recorda com saudade as fugas de casa de seus pais,
nas madrugadas em que “abria o ferrolho, abria a porta pela surdina e ia para a taberna.
Eles (os artistas) iam para ali matar o bicho e de vez em quando tocavam ali um fadinho. Eu tinha uma paixão pela guitarra. Era uma loucura. Punham-me em cima de uma pipa e eu começava para ali a cantar...parecia um papagaio...”
Em 1947, com apenas 13 anos de idade, trabalhava já como manufator de calçado e cantava em associações de recreio quando se organizou, no “Café Latino” o concurso de Fados “João Maria dos Anjos”. Depois de obter um meritório 3º lugar iniciaria, nessa época, com uma autorização especial da Inspeção dos Espetáculos, a sua carreira profissional.
Em 29 de Junho do mesmo ano, participa já na Marcha Infantil da Mouraria representando o Conde Vimioso com Clotilde Monteiro no papel de Severa.
Foi então contratado pelo empresário José Miguel para atuar aos fins-de-semana nas casas que ele, por essa altura explorava, designadamente o “Café Latino”, o “Retiro dos Marialvas”, o “Vera Cruz” e o “Casablanca” no Parque Mayer.
Depois de profissionalizado cantou, nos anos 50 no “Café Luso”, no Bairro Alto, na “Adega Machado” e na casa típica “O Faia”.
Nos anos 60 e 70, casas como a “Nau Catrineta”, a “Kaverna”, “O Poeta”, a “Taverna d’El Rey” e, novamente, o “Café Luso”, conquistaram novos públicos com as atuações daquele a que o destino apelidaria de Rei do Fado. Na década de 80, esta sorte bateria à porta da “Adega Mesquita”.
Durante cerca de 20 anos Fernando Maurício cantou em programas de Fados na Emissora Nacional, atuou na RTP, gravou discos, obteve prémios – Prémio da Imprensa (1969) e os Prémios Prestígio e de Carreira da Casa da Imprensa (1985/1986) – tendo participado em inúmeros espetáculos no estrangeiro: Luxemburgo, Holanda, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos.
Da discografia gravada destacam-se, para além dos Fados com Francisco Martinho e da participação em inúmeras coletâneas de Fado, os discos, atualmente disponíveis no mercado: “De Corpo e Alma Sou Fadista” (Movieplay, 1984), “Fernando Maurício, Tantos Fados Deu-me a Vida” (Discossete, 1995), “Fernando Maurício, Os 21 Fados do Rei” (Metro-Som, 1997), “Fernando Maurício”, col. “O Melhor dos Melhores” (Movieplay, 1997) e, finalmente, “Fernando Maurício”, Clássicos da Renascença (Movieplay 2000).
Despreocupado em relação à necessidade de uma regular carreira discográfica, e dotado de um perfil pleno de abnegação e humanismo, Fernando Maurício cantou, durante toda a sua vida, em centenas de festas de beneficência, por todo o país.
Considerado o maior fadista da sua geração, possuidor de uma das mais originais vozes de Fado, a sua vasta carreira fez dele Rei do Fado e da Mouraria.
Recusando os galões, Fernando Maurício manteve-se fiel a uma simplicidade autêntica, preferindo manter-se ligado às raízes, ali mesmo na Mouraria, que visitava diariamente.
Ali revia os amigos da sua juventude: das cantorias, dos bailaricos de Verão, das cegadas na Adega do Luís Saloio, dos passeios pela Praça da Figueira, a ver os magalas e as sopeiras, do futebol, do jogo da Laranjinha e do Rei Mandado, da malandrice, dos banhos no Chafariz da Guia, das correrias a Alfama, da Calçada de Santo André até à Rua da Regueira, das brincadeiras no Tejo, onde aprendeu a nadar.
Desses tempos recorda com saudade: “havia uma padaria na Rua do Capelão onde eu nasci e nós naquela altura - nos anos 40 - dormíamos todos na rua. De manhã levantávamo-nos e íamos lavar a cara ao Chafariz da Guia. Eram muitos amigos que eu tinha. Tínhamos uma equipa de futebol e jogávamos à bola na Rua do Capelão. Entre o Capelão e a Guia. Jogávamos descalços. Nessa padaria havia cestos de verga com pão quentinho, acabadinho de sair do forno. De madrugada, enquanto o padeiro trabalhava, encostávamo-nos à porta e tirávamos uns pães. Era uma época muito má. Corriam os tempos da guerra. Nós éramos 5 irmãos, depois nasceram os dois mais novos. A minha mãe era do Bonfim, do Porto. Lavava roupa para ajudar em casa”.
Aos amigos e à família estima acima de tudo. A filha, Cláudia, a quem Amália Rodrigues costumava apelidar de Rainha Cláudia, é, para Fernando Maurício, motivo de um imenso orgulho.
Com os amigos – o Zé Brasileiro, o Calitas, o Lenine e outros tantos - adora partilhar memórias, perder o tempo em conversas longas, ao sabor de um baralho de cartas, evocando as memórias de um quotidiano vivido no bairro da Mouraria.
Fernando Maurício faleceu a 15 de Julho de 2003.
Observações:
Em Junho de 1989, Amália Rodrigues descerrou, na Rua do Capelão, duas lápides evocativas das vozes emblemáticas da Mouraria - Maria Severa Onofriana e Fernando da Silva Maurício.
Em 31 de Outubro de 1994, a comemoração das bodas de ouro artísticas de Fernando Maurício acontece no Teatro Municipal de S. Luiz, numa Festa de Homenagem promovida pela Câmara Municipal de Lisboa.
Em 12 de Maio de 2001, o Município presta-lhe nova homenagem no Coliseu dos Recreios em Lisboa sendo-lhe atribuído, pela Presidência da República, o título honorífico da Comenda de Bem Fazer.
A 5 de Fevereiro de 2004, num espetáculo intitulado “Boa Noite Solidão”, o Município presta-lhe uma homenagem póstuma no Coliseu dos Recreios de Lisboa, com a participação de inúmeros colegas do Fado. As receitas deste espetáculo revertem na sua totalidade para a família do fadista Fernando Maurício.
Excerto do texto “O Fado é o meu bairro”, Lisboa, CML, 2001; atualizado com informação após o falecimento do fadista.



Seleção de fontes de informação:

http://www.museudofado.pt/personalidades/detalhes.php?id=301

 


Última atualização: Abril/2008

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