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A Severa e o 13º Conde do Vimioso

 

Júlio Dantas Apesar de Júlio Dantas, no seu romance “A Severa”, ter trocado o nome do seu grande

amor, por pressão do Presidente do Concelho Hintze Ribeiro e da família do Conde de Vimioso,

o mesmo romancista escreveu uma peça para teatro, representada pela primeira vez no actual S. Luís

(na época Teatro D. Amélia). A troca escolhida pelo romancista, onde o grande amor de Maria Severa  

13º Conde de Vimioso D. Francisco de Paula Portugal e Castro (1817-1865), foi substituído pelo Conde

de Marialva era bastante ridícula. O último Conde de Marialva, D Pedro José Vito de Menezes Coutinho,

tinha “em bom calão – batido a bota”, em Paris no ano de 1823, tinha a Severa 3 anos de idade.

 

 

Foi na taberna da Rosário dos óculos (rua do Capelão), que a nossa cantadeira conheceu o Conde de Vimioso.

Mas Severa não tinha poiso certo. Cantava o fado na tasca do Cegueta, No café da Bola, mas dizem as más línguas, que o seu sítio preferido para cantar o FADO era o café do Joaquim Silva (moço de forcados), próximo da praça de toiros do Campo de Santana, onde o Conde se juntava com amigos e amantes da arte de tourear. 0 13º Conde de Vimioso era um hábil cavaleiro e distinto na arte de lidar com os toiros.

Foi durante muitos anos aplaudido na antiga praça de toiros do Campo de Santana. Tudo leva a crer que Maria Severa tenha vivido os três últimos anos da sua vida, na companhia do Conde. Por ele morreu de amor. Foi a enterrar em vala comum, como consta na sua certidão de óbito do cemitério do Alto de S. João, no livro nº3, folha 117. Morreu tuberculosa, sem ter recebido a paga de tantas lágrimas derramadas, talvez

porque o seu destino assim o quis.

 

 

Júlio Dantas foi o responsável pela imagem icónica da popular cantadeira de fado ao publicar,

em 1901, a peça de teatro A Severa. É uma história trágico-romântica inspirada nos poucos factos

disponíveis, uma história de amores desencontrados e trágicos, que lembra passos da Dama das

Camélias, de Alexandre Dumas Filho, um drama famoso em que uma cortesã parisiense,

Marguerite Gautier, se apaixona por um jovem de boas famílias, Armand Duval; Marguerite

renuncia a Armand em nome da moral e dos bons costumes, mostrando-se deste modo integrada

na ordem política e social do tempo. Tudo isto em Paris, em 1848, ano, na Europa, da “revolta das

nações”. Verdi compôs depois La Traviata, glosando a história. Era muito assim, nesse oligárquico

e burguês século XIX: fosse em Flaubert (Madame Bovary), em Tolstoi (Anna Karenina), em Eça

de Queiroz (O Primo Basílio) ou em Fontane (Effie Briest), as mulheres adúlteras acabavam mal:

                                   Emma Bovary e Ana Karenina suicidam-se, Luísa morre de culpa e doença,

                                   e Effie morre também, marginalizada pela família, pela sociedade e pela

                                   própria filha. Eça inspirou-se em Flaubert, como Dantas em Dumas Filho.

                                   A França era ainda o viveiro de todas as ideias e de todas as histórias.

                                  Por aqui, as conveniências sociais também chegaram à Severa de Dantas mas diferentemente, porque a                                       heroína já era desgraçada de nascença.

                                   A peça conta a história dos amores marginais entre uma cantadeira de fado, Maria Severa Onofriana,

                                   e um aristocrata, o conde de Marialva, D. João de Menezes. E é aqui que entram as conveniências                                                 sociais: os Marialva, qualquer dos marqueses de Marialva, do primeiro ao último, foram militares,                                                  diplomatas, académicos, cavaleiros e muito pouco de Severas, de copos, de noitadas, de fados e                                                  guitarradas – do grande vencedor das linhas de Elvas e de Montes Claros nas guerras da Restauração

a D. Pedro José Joaquim Vito de Menezes Coutinho, o 6º Marquês de Marialva e 8º Conde de Cantanhede que morreu em 1823 solteiro e sem descendência, teria a Severa três anos.

 

Na vida real, o amante da Severa foi o 13º Conde de Vimioso, D. Francisco de Paula de Portugal e Castro,

cavaleiro, como Marialva, e cavaleiro tauromáquico, que triunfou na arena do Campo de Santana. Só que,

ao contrário do Marialva, o Vimioso tinha descendentes, naturalmente incomodados com a devassa em

quatro actos da devassidão fadista e femeeira do seu antepassado próximo. Assim, em nome das

conveniências e normas de respeitabilidade, o chefe do Governo, Ernesto Hintze Ribeiro, e os familiares

de Vimioso pediram a Júlio Dantas que retirasse da história o nome do avô que, além do mais, ainda não

estava “suficientemente morto” para tanta ribalta. Se tivermos presente que ao sucesso da peça se seguiu

uma opereta de Filipe Duarte e André Brun (tal como, com a devida distância, Verdi tinha criado La Traviata

a partir da Dama das Camélias de Dumas) e que em 1931 Leitão de Barros realizou A Severa, o primeiro

filme sonoro português, dar-nos-emos conta dos equívocos que daqui vieram. Assim, se neste caso relativamente inconsequente seguíssemos a nova moda da “justiça restaurativa”, teríamos de começar por expurgar os dicionários de Português. “Marialva” continuaria a referir-se às “regras de cavalgar ao modo de D. Pedro de Alcântara Menezes”, mas deixaria de significar “indivíduo de vida ociosa e dissoluta que se ocupa de cavalos e touros”, “indivíduo farrista e conquistador”, “homem conquistador de mulheres”. E a linhagem de grandes capitães, cavaleiros, diplomatas e académicos dos Menezes, nobre minoria extinta e injustiçada pela História, não mais seria confundida ou dada como sinónimo e patrónimo de fidalgos estarolas e beberrões.

Tão pouco José Cardozo Pires poderia ter escrito “A cartilha do Marialva”, esse panfleto anti-tradicionalista onde, com o paroquial farisaísmo do costume, se constrói um arquétipo de senhor rústico, bruto, reaccionário e mulherengo. Teríamos assim “A Cartilha do Vimioso” e “Vimioso” seria o epíteto e o arquétipo. De qualquer forma, o erro, grosseiro ou subtil, inocente ou interessado, é parte integrante das histórias e da História desde que há histórias e História, sempre contadas a partir do presente e do “espírito do tempo” e também sempre dependentes do grau de seriedade ou de cedência ao poder e às cartilhas vigentes de quem as conta ou reconta. Talvez para sublinhar a impossibilidade de reescrever a verdade do que foi, mas também para afirmar a paixão e a seriedade com que se propôs fazê-lo Maria João Lopo de Carvalho tenha escolhido como epígrafe para o seu Fado da Severa este passo da “Canção Amarga”, de David Mourão Ferreira:

 

 

 A Severa histórica, Maria Severa Onofriana, foi baptizada na paróquia dos Anjos, em Lisboa, a 12 de

Setembro de 1820. Era filha de Se vero Manuel de Santarém, “de etnia cigana” (na peça e na época de

Dantas onde vigoravam outros, mas não estes, tabus linguísticos, são muitos os que se referem à

cantadeira como “a cigana”), e de Ana Gertrudes, de Portalegre, mais conhecida por “Barbuda”.

A Barbuda vivia na Mouraria, levava a vida difícil das mulheres de “vida fácil” e iniciou a filha no seu

ramo de actividade. Só que, a crer nas memórias de contemporâneos como Bulhão Pato e Luís Augusto

Palmeirim, a filha, ao contrário da mãe, era linda, do tipo morena exótica, e cantava o fado como ninguém.

Além disso fumava, bebia e, claro, partilhava amiúde o leito – a Maria João Lopo de Carvalho usa

expressões mais livres e vernáculas para qualificar a actividade a que a cantadeira e as suas

companheiras se dedicavam, bem como para descrever os seus constantes encontros carnais e amorosos.

De resto, um confronto dos diálogos de Dantas com os de Maria João (“Ah! Meu grosseirão! Como eu te quero!”, diz a Severa de Dantas para o Marialva, estando os dois , “muito juntos, coração com coração”) diz -nos muito sobre o tempo de Dantas – e sobre o nosso tempo.

Enfim, o jovem Vimioso, casado com uma fidalga e vivendo na casa do Campo Grande com setenta criados e criadas, não terá resistido ao canto e ao encanto da fadista, o que não era novo nem invulgar. O que era novo e invulgar era tentar pô-la por conta em pleno palácio, alheio à promiscuidade entre os dois mundos, e, sobretudo, o facto de a cantadeira se ter recusado a ali ficar. Jovem, rico, bem-parecido, grande cavaleiro, destemido com os toiros, o Vimioso apaixonou-se perdidamente pela Severa – ou talvez tudo não tivesse passado de um devaneio mais sério, parte integrante dos prazeres de um marialva (ou de um vimioso), na constante roda viva entre “o selim e a mulher” em que, aparentemente, gastava os seus dias.

Na peça de Dantas, o Marialva, além da legítima, ama a Severa e uma outra senhora da sua condição, uma marquesa de Seide, também ficcionada. A versão romanceada de Maria João Lopo de Carvalho, que tem muito “trabalho de casa”, é mais rigorosa do ponto de vista histórico.

O Fado da Severa tem, no final, uma bibliografia e a ficção novelesca é entremeada de quadros da época, acompanhados por uma cronologia e por uma curta biografia dos personagens referidos.

Julio Dantas

Júlio Dantas

Conde do Vimioso
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Conde de Vimioso

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